Nutrologia Pediátrica – Reposição nutricional na criança doente: overfeeding

Prof. Dr. Rubens Feferbaum

A resposta metabólica ao estresse representa predominantemente um estado catabólico. Os estoques endógenos de proteínas, hidratos de carbono e gordura invariavelmente diminuem durante este período e o crescimento é prejudicado. As citocinas induzem à diminuição do fator de crescimento-1 símile à insulina (IGF-1) que apresenta importante papel no crescimento da criança. As necessidades de crescimento consomem 30 à 35% do balanço de energia de um lactente( HOLLIDAY,1986). Além disso, RN e lactentes na UTI têm reduzida atividade física, são mantidos freqüentemente em ambiente de termo neutralidade, fazendo uso de analgésicos ou sedativos, o que reduz as suas necessidades energéticas. Desta forma se a reposição nutricional tomar como parâmetro as necessidades nutricionais normais em uma criança em stress metabólico, situação onde ocorre diminuição substancial do gasto energético para o crescimento , poderá ocorrer o que é denominado de overfeeding (hiper alimentação) (CHWALS et al.1988; KAPLAN et al.,1995).
O overfeeding envolve a oferta excessiva de calorias ou substratos nutricionais para suprir as necessidades metabólicas. Estas podem variar conforme a idade, o estado nutricional e o tipo de stress metabólico que a doença induz no indivíduo(LONG et al.,1979;BURSZTEIN et al,1989).
Do ponto de vista clínico, os efeitos adversos do overfeeding podem ocasionar insuficiência respiratória, disfunção hepática e aumento da mortalidade. Os pacientes de maior risco estão nos extremos da vida: o idoso e o RN.
Diversas alterações metabólicas podem ocorrer com o excesso de calorias e hidratos de carbono. No indivíduo saudável e clinicamente estável o excesso de glicose aumenta os níveis séricos da insulina, resultando na diminuição da oxidação dos ácidos graxos, redução da cetogenese e aumento da lipogenese. Além disso, a relação insulina/glucagon aumenta na veia porta, fato associado com o aumento da deposição de gordura no fígado (esteatose hepática) e aumento dos níveis de enzimas hepáticas, indicando dano celular(NUSSBAUM et al.,1991).
São descritos em pacientes hiper alimentados lesões hepáticas morfológicas e funcionais que incluem colestase, proliferação ductal, inflamação peri portal e alteração nos testes de função hepática ( BURKE et al.,1979; NUSSBAUM; FISCHER,1991; DAS et al.,1993).
Alterações semelhantes têm sido descritas em crianças clinicamente estáveis recebendo nutrição parenteral baseada em glicose como fonte energética especialmente no RN pré-termo, fato por nós também constatado (FEFERBAUM,1981).
O excesso de hidratos de carbono pode ter impacto negativo na respiração. Na criança, o aumento de produção de gás carbônico (CO2) ocasiona acidose respiratória e aumento da freqüência respiratória com risco de estafa orgânica. A substituição de 25 à 35% das calorias oferecidas por hidratos de carbono por lipídeos tende a reduzir a produção de CO2 e diminuir o QR (PIEDBOEUF et al.,1991; BRESSON et al.,1991).
Quanto à utilização de lipídeos, doses de uso endovenoso acima de 3g/Kg/dia podem piorar a função imune, provocar plaquetopenia e depósito ao nível dos alvéolos pulmonares.
Os efeitos do overfeeding foram analisados quanto à mortalidade retrospectivamente em adultos após cirurgia em dois grupos que recebiam, respectivamente, 100 e 150% das necessidades metabólicas basais ; a mortalidade foi maior no grupo que recebia mais calorias(40% versus 28% (p<0.05) (VO et al.,1987).
Desta forma especialmente em crianças em Nytrição Parenteral estes aspectos devem ser criteriosamente analisados.