Vitaminas, aspéctos clínicos e nutroterápicos

Artigo compilado a partir de artigos e textos de autoria:
Dr. Celso Cukier
Dr. Daniel Magnoni

As vitaminas são compostos orgânicos presentes naturalmente nos alimentos.

Exercem funções essenciais para manutenção do metabolismo normal, desempenham funções fisiológicas específicas. Atuam como cofator na atividade enzimática desempenhando papel vital no metabolismo celular, uma vez que são essenciais para a ação de muitas enzimas. Podem ser classificadas em dois grupos:

a)      Lipossolúveis – vitaminas insolúveis em água e solúveis em lipídeos e solventes lipídicos – A, D, E e K.;

b)      Hidrossolúveis – Vitaminas do complexo B (tiamina, riboflavina, niacina, ácido pantotênico, piridoxina, biotina,  ácido fólico, cianocobalamina) e vitamina C. As necessidades diárias das vitaminas, em indivíduos sadios, encontram-se no quadro 1. Os quadros 2 e 3 apresentam resumidamente o metabolismo, função e deficiência das vitaminas lipo e hidrossolúveis.

Vitamina A: Têm ação específica na manutenção de visão normal, permitindo a integridade das estruturas neuro-epiteliais do globo ocular e de ultra-estruturas no interior dos bastonetes. Essencial à diferenciação e proliferação celular principalmente dos tecidos epitelial e ósseo. Recentemente, observou-se estreita relação da vitamina A na integridade do sistema imunológico. Após ingestão oral (80%), sua absorção ocorre preferencialmente no intestino delgado, por processo ativo, inicialmente como retinol. No enterócito, o álcool é esterificado formando palmitato. O palmitato é incorporado pelos quilomícrons e transportados via sistema linfático até o fígado, onde é armazenado e hidrolizado em retinol livre. O retinol circula ligado à proteína de ligação do retinol e à pré albumina. É excretado em maior quantidade pela bile e em menores proporções pela urina (1%), processo que ocorre apenas após repleção das reservas orgânicas.

Vitamina D: Responsável pela manutenção dos níveis normais de cálcio e fósforo e pela mineralização óssea. Estimula a absorção ativa de Ca e P pela mucosa intestinal, bem como a mobilização óssea destes minerais para o sangue e aumenta a reabsorção de Ca pelo rim. A absorção da vitamina D ocorre no jejuno, dependente da presença de bile. Transportada pelos quilomícrons, atinge a corrente sangüínea por meio de vasos linfáticos. Sua estrutura ativa é formada após dupla hidroxilação no fígado e rim (1,25 diidroxicolecalciferol), sendo estimulada pelo hormônio da paratireóide secretado em resposta a baixos níveis séricos de cálcio e fósforo. É armazenada no fígado, músculo e tecido adiposo. Sua excreção é fecal (95%) e urinária (2%), podendo acorrer pelo sistema biliar após degradação por hidrolases hepáticas.

Vitamina E: Apresenta importante ação como anti-oxidante biológico, participando do bloqueio do processo de auto-oxidação das gorduras insaturadas da membrana celular, impedindo reações peroxidativas causadas por radicais livres. Absorção ocorre de 25 a 85% pela ingestão oral, no intestino delgado. É transportada por via linfática e carreada no sangue por lipoproteínas de baixa (LDL), alta (HDL) e muito baixa densidade (VLDL). É armazenada no tecido adiposo, muscular e hepático na forma não esterificada. Sua excreção é pela bile (80%) e urinária como glucorunídeo, produto de sua esterificação.

Vitamina K:  São compostos naturais com atividade anti-hemorrágica, que possuem um núcleo de naftoquinona em suas moléculas. Atuam no sistema enzimático carboxilase-dependente presente na membrana microssomal hepática, responsável pela síntese dos fatores de coagulação. Sua absorção ocorre de 40 a 80% pela ingestão oral, no intestino delgado. As formas ativas lipossolúveis (K1 e K2) requerem a presença de bile e suco pancreático para absorção, o que não ocorre na forma K3 e seus derivados hidrossolúveis. É transferida dos quilomícrons para as lipoproteínas b , sendo transportada pelo sistema linfático. Seus principais sítios de captação são fígado, pele e músculo. A excreção é urinária e fecal como óxidos de vitamina K, glicuronídeos ou na forma intacta.

Vitamina B1: Atua como coenzima em reações enzimáticas nas quais grupos aldeídos são transferidos de um doador para uma molécula receptora. Também envolvida na transmissão de impulsos nervosos. Absorção ocorre no intestino delgado por processo ativo dependente da Na-K-ATPase. Na mucosa intestinal sofre fosforilação, constituindo a forma ativa tiamina pirofosfato (TPP) ou liga-se a proteínas plasmáticas (20 a 30%) para fosforilação hepática. Armazena-se no músculo esquelético (50%), coração, fígado, rins e sistema nervoso. A excreção é urinária.

Vitamina B2: Componente de enzimas que participam do metabolismo dos glicídeos.  Absorção ocorre no intestino delgado proximal. Liga-se à albumina e globulina na circulação sanguínea, sendo armazenada no fígado, coração, baço e rim. Excreção é urinária (9%), biliar e pelo suor, sendo excretada em pequena quantidade nas fezes.

Vitamina B3: A amida do ácido nicotínico (nicotinamida) é componente essencial de duas enzimas ativas, a nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD) e a nicotinamida-adenina-dinucleotídeo-fosfato (NADP), que ocorrem na forma oxidada e reduzida, envolvidas em reações catabólicas (NAD) e biossintéticas (NADP). Fornece energia para células por meio de reações de óxido-redução e metabolismo dos carboidratos. Absorção ocorre por difusão no estômago e intestino delgado. Na mucosa intestinal, o ácido nicotínico é convertido em nicotinamida. Esta, por sua vez, é convertida em coenzimas ativas (NAD e NADP) no fígado, rim, cérebro, eritrócitos e leucócitos. Nas células hematopoiéticas exibe sua maior concentração. A excreção é urinária.

Vitamina B5: Constituinte da coenzima A e grupo prostético da proteína carreadora de acil (A.C.P). É importante fator na catálise da acetilação ATP dependente e reações enzimáticas envolvendo grupos acila em geral (oxidação de piruvato, a ceto-glutamato e b-oxidação de ácidos graxos). É hidrolizada no intestino e absorvida juntamente com o pantotenato através da veia porta. Suas reservas estão principalmente na forma CoA (80%), estando presente em maiores concentrações no tecido hepático e glândula adrenal. A excreção é urinária (60 a 70%) e fecal (30 a 40%).

Vitamina B6: Constitui conjunto de três compostos relacionados (piridoxina, piridoxal e piridoxamina) facilmente interconvertíveis, sendo sua forma ativa o piridoxal-fosfato (PLP). Coenzima essencial a numerosas reações do metabolismo de aminoácidos, carboidratos e lípides, ativa enzimas principalmente envolvidas nos processos de transaminação (transaminases e aminotransferases). Mantém a integridade funcional do cérebro, sendo essencial às reações enzimáticas de síntese e metabolização dos neurotransmissores (dopamina, norepinefrina, serotonina, tiramina, taurina, histamina e ácido aminobutírico). Sua absorção ocorre em 95% pela ingestão oral no duodeno e intestino delgado. É fosforilada à forma ativa (PLP) e circula ligada a proteínas plasmáticas (albumina e hemoglobina). Excreção é urinária, sendo a maior quantidade como 4-ácido piridóxico (4-PA).

Vitamina B7: Transportadora de grupos carboxila de quatro enzimas envolvidas em reações que requerem ATP. Absorção ocorre no intestino delgado por processo ativo sódio dependente. Também sintetizada por bactérias intestinais. Circula no plasma ligada a proteínas. A excreção pode ser fecal (50%) ou urinária, variando de acordo com a quantidade ingerida.

Vitamina B9: Atua apenas na sua forma ativa (ácido tetraidrofólico), existente após redução nos tecidos. Entre outros processos, participa da síntese de bases nucleicas (purinas e pirimidinas) e interfere na formação de ácidos nucleicos DNA e RNA. Sua absorção ocorre em 50% da ingestão oral no intestino delgado. Também sintetizada por bactérias intestinais. Nos eritrócitos transforma-se em metil-folato, forma dominante presente no plasma e fígado. Circula livre ou ligado a proteínas, especificamente a b-globulina. Armazenada no tecido hepático (50%) como poliglutamato. A excreção é urinária ou fecal.

Vitamina B12: É coenzima essencial  ao metabolismo dos glicídeos, lipídios e protídeos. Essencial à síntese de bases nucleicas e de mielina dos nervos periféricos e póstero-laterais da medula espinhal. A única fonte de vitamina B12 na natureza é a síntese por microorganismos, que obtemos de maneira direta ou indireta. Durante ingestão, a vitamina B12 sofre ação de ácidos e enzimas gastrointestinais que liberam a vitamina de ligantes polipeptídicos dos alimentos, unindo-se ao fator R salivar. No intestino, este fator é destruído pela tripsina pancreática liberando a vitamina B12 para nova ligação com uma glicoproteína produzida por células parietais gástricas, o fator intrínseco gástrico (IF). No íleo ocorre absorção. É carreada pelo eritrócito em direção à veia porta onde se une a proteínas específicas, transcobalaminas I, II e III. A forma “II”, sintetizada no fígado, é a principal carreadora da vitamina B12 para os tecidos. Armazenada em tecido hepático (50 a 90%). A excreção é urinária e fecal, sendo 60% da vitamina B12 excretada reabsorvida pela circulação entero-hepática.

Vitamina C: Participa da regulação do potencial de óxido-redução intracelular. Essencial à síntese de colágeno, facilitando a hidroxilação enzimática de prolina para hidroxiprolina. Atua sobre a síntese de hormônios adrenais, aminas vasoativas e carnitina. O metabolismo da tirosina interrompe-se na ausência de vitamina C. Aumenta a absorção e utilização de ferro bem como permite a transformação do Fe férrico em Fe ferroso. Absorção ocorre em 80 a 90% na dieta oral, no intestino delgado, por transporte ativo dependente de sódio saturável. Reabsorvida pelos rins em processo ativo saturável. Excretada via urinária como ácido ascórbico ou metabólito (deidroascórbico, 2-3 diceto-1-gulonato, ascorbato 2-sulfato e oxalato).

 
VIA ORAL/ENTERAL
VIA PARENTERAL
 

CRIANÇAS

ADULTOS

CRIANÇAS

ADULTOS

A   (UI)

1300-1600

2300-3300

2000-2500

3300

D   (UI)

300-400

200-400

250

200

E   (mg)

3-7

8-10

1,67-4,7

6,7

K   (mg)

5-30

45-80

20

35

B1  (mg)

0,7-1,0

1,3-1,5

1,2-3,0

3,0

B2  (mg)

0,8-1,3

1,2-1,8

1,4-3,6

3,6

B3  (mg)

9-13

15-20

8-150

150

B5  (mg)

3-7

4-7

5-15

15

B6  (mg)

1-1,4

1,7-2,2

1-4

4

B7  (mg)

20-30

30-100

20-60

60

B9  (mg)

50-150

150-400

140-400

400

B12 (mg)

0,7-1,4

2,0-2,2

1-5

5

C   (mg)

40-45

50-60

80-100

100

Quadro 1: recomendações diárias de vitaminas em indivíduos sadios.

Vitamina

Metabolismo/função

Deficiência/excesso

A

Necessita bile para absorção
Armazenada no fígado

Cegueira noturna
Queratomalácia
Menor resistência à infecção
Lesões cutâneas

D

Absorção de cálcio e fósforo
Mobilização e mineralização óssea

Alterações ósseas e articulares
Osteomalácia
Osteodistrofia renal

E

Previne oxidação intestinal da vitamina A
Antioxidante
Gorduras poliinsaturadas aumentam necessidades
Estoques limitados

Deficiência rara
Hemóllise em crianças desnutridas
Baixa toxicidade

K

Precursora da protrombina
Síntese intestinal

Hemorragia
Tóxica em grande quantidade

Quadro 2 – Metabolismo, função e deficiência das vitaminas lipossolúveis, compilado de Muller DH & Burke F – Vitamin and mineral therapy. In. Morrison G & Hark L – Medical nutrition and disease ed. Blackwell Science, EUA, 1996, pp. 48-66

Vitamina

Metabolismo/função

Deficiência

C – Ácido ascórbico

Síntese de colágeno
Síntese hormonal
Resistência a infecções
Aumenta absorção de ferro

Cicatrização
Desenvolvimento de ossos e dentes
Escorbuto Hemorragias
ecmoses

B1 – Tiamina

Coenzima na utilização de glicose
Estrutura nervosa
Boa digestão e apetite

Beriberi
Fadiga, perda do apetite, constipação, depressão, neuropatia, estomatite angular, polineurite, edema, insuficiência cardíaca

B2 – Riboflavina

Metabolismo protéico e glicídico
Síntese de ácidos graxos
Visão normal em luz clara
Manutenção da cútis

sensibilidade visual, prurido ocular
Queilose
Pele em escama

Niacina – ácido nicotínico, niacinamida

Coenzima do metabolismo protéico
Digestão normal
Manutenção do sistema nervoso
Manutenção da cútis
Precursora do triptofano a: 60 mg = 1 mg de niacina

Pelagra
Dermatite, estomatite angular, diarréia, depressão, desorientação, delírio

B6 – piridoxina, piridoxal, piridoxamina

Coenzima do metabolismo protéico
Conversão do triptofano a niacina
Formação do heme

Queilose
Transtornos intestinais
Dificuldade à deambulação
Irritabilidade
Neuropatia
Convulsão

B12

Maturação de células vermelhas
Síntese de DNA, RNA
Necessita fator intrínseco gástrico para absorção

Anemia perniciosa: deficiência de fator intrínseco ou gastrectomia
Anemia macrocítica: degeneração neurológica, palidez cutânea

Folato

Maturação de células vermelhas
Síntese de DNA, RNA

Anemia macrocítica na gravidez, espru, palidez cutânea

Biotina

Componenete de coenzimas do metabolismo energético
Pequena síntese intestinal
Avidina interfere na absorção

Ocorre na ingestão exacerbada de ovos brancos crús
Dermatite, perda de cabelos

Ácido pantotênico

Componente da coenzima A
Síntese de esteróis, ácidos graxos, heme

Raramente ocorre
Neurite em membros superiores e inferiores
Sensação de queimação em pés

Quadro 3 – Metabolismo, função e deficiência das vitaminas hidrossolúveis, compilado de Muller DH & Burke F – Vitamin and mineral therapy. In. Morrison G & Hark L – Medical nutrition and disease ed. Blackwell Science, EUA, 1996, pp. 48-66

Referências

1.    Council on Scientific Affairs – Vitamin preparation as dietary suplements and as therapeutic agents. JAMA. 257(14), 1987

2.    Dempsey, D.& Hodges, R. E. – Parenteral vitamin therapy in hospital patients. In Rombeau, J.L. & Caldwell – Parenteral Nutrition. vol 2, cap 7, pp 154, W.B. Saunders Company, 1986.

3.    Hoyumpa, A.M. – Vitamin deficiencies in the alcoholic patient. In. Nutritional support in alcoholic patients postgraduate course 12. Aspen 8 th , Clinical congress, Las Vegas, 1984.

4.    Levenson, S.M. – Micronutrients (vitamins, trace minerals). Sixteenth Clinical Congrass (ASPEN), 19-22, 189-198, 1992.

5.    Lima-Gonçalves, E. – Nutrição e Cirurgia. 1a ed., pp 3-13, Sarvier, 1988.

6.    Melki, A.L.; Bulus, N.M.; Abumrad, N.N. – Trace elements in nutrition. Nutr. Clin. Pract. 2(6):230-40, 1987.

7.    Recommended dietary allowances (RDA) – 10th edition. Subcommittee on the tenth edition of the RDAs Food and Nutrition board Commission on Life Sciences. National Research Council. National Academy Press Washington, D.C., 1989.

8.    Shils M.E. & Young, V.R. – Modern nutrition in health and disease. Cap 5-11, pp 142-291 Lea & Febiger, Philadelphia, Ed 7, 1988.

9.    Waitzberg, D.L. – Nutrição enteral e parenteral na prática clínica. 2a ed. Rio de Janeiro. Editora Athene, 1995.

10. Weinsier, R.L.; Heimburger, D.C.; Butterworth, C.E. – Clinician’s manual for the prevention, diagnosis and management of nutritional problems. The C.V. Mosby Company, ed. 2, 1989.